cartas para plutão
antigas

para dar a luz
para me justificar
para derrubar as grades
para um querido
pra dizer oi
para chegar mais perto
para ele, que tá longe sempre
para o ano velho
pra você gostar de mim
para mudar o lugar das grades



cannothelp@gmail.com

Prezada C.,

hoje eu imaginei minha vida sem você. Sem suas desculpas esfarrapadas para não me ver, sem suas negações aos meus pedidos, sem suas bebedeiras sem amor. Imaginei como seria se você simplesmente não tivesse sido minha. O que mesmo? Às vezes esqueço.

De você não, claro. Lembro todo dia. Ou pelo menos toda vez que olho minha identidade. Seu nome está ali, na minha filiação. Engraçado, eu não estou na sua. Não houve reciprocidade nunca. Não seria nisso. A identidade dos genitores deveria sim conter o nome dos filhos. É mais fácil esquecer de alguém que você gerou do que de alguém que gerou você. Acho que você esqueceu de mim.

O pior é imaginar que não. Todo maio eu tento me convencer que sim. Que você esqueceu de mim, que não pensa mais, que não lembra mesmo. De mim. Do que eu fiz pra te conquistar. Do meu amor mal desperdiçado. Dos meus sorrisos forçados em hospitais. Foram tantos. Hospitais. Não sorrisos. Dos meus esforços. Quero acreditar nisso. Que você esqueceu.

Dói tanto quando a lucidez desperta aqui. Quando eu percebo que você não esqueceu. Que você simplesmente decidiu não ficar perto de mim. Que você lembra de mim e de tudo o que vem junto comigo na sua lembrança e que opta pela distância, pelo afastamento eterno. Que você sabe que eu tentei, que eu quis ficar perto mais do que qualquer coisa. E que você disse não, conscientemente.

Ontem lembrei de que um dia desses você vai morrer. E talvez eu não fique sabendo. Talvez seus amigos te enterrem. Teu marido. O porteiro do prédio. Alguém, quem sabe. Alguém que não serei eu. Talvez eu nem fique sabendo.

Não te enterrarei. Nunca.

Nem dentro, nem fora de mim. Porque eu não quero esquecer. Quero lembra pra sempre. Quero, um dia, fazer as coisas do avesso. Porque o teu lado certo não é esse.

H.